A Sagrada Família não teve um início de vida diferente como de muitas outras famílias: desafios, riscos, medos, insegurança, perseguição, falta de comodidade, imposição de leis dos poderosos etc. A Família de Nazaré não viveu uma fantasia. Maria e José não encenaram uma realidade, mas viveram intensamente todos os momentos, todos os riscos e todas as ausências. Jesus não se encarnou em uma realidade ideal e perfeita de conto de fadas. Não! A encarnação de Jesus foi na mais pura e real realidade humana!
Deus escolheu viver intensamente todas as realidades humanas, principalmente as mais desafiantes. Assim, aprendemos que a ausência de estabilidade e seguranças humanas não significa ausência de Deus. No entanto, vemos que a Sagrada Família nunca ficou desamparada e sem rumo. O Criador escolheu muito bem duas pessoas que se amavam profundamente e que estavam vivendo uma profunda experiência de amor, doação e sonhos como qualquer outro casal. O verbo para se fazer carne passou por esta relação tão preciosa a nós que é a relação de amor em uma família.
Naquela época que Jesus nasceu, Deus não escolheu o melhor momento político e histórico para iniciar seu projeto de salvação no mundo, ou a noite ideal, nem uma estação do ano mais adequada e nem uma melhor realidade material para que seu Filho viesse ao mundo (uma casa, um berço, roupas, apoio familiar…). Ainda. O Natal que celebramos, vemos uma total ausência de segurança e comodidade, uma total ausência de tudo. No entanto, aprendemos que Maria e José, tudo que afrontaram, somente conseguiram enfrentar porque estavam juntos!
O texto de Eclesiástico (1ª leitura) retrata bem a grande importância que a família possuía para o povo de Deus. Não era vista como uma instituição social ou meramente convencional, ou ainda resultado somente da vontade ou modalidade humana, a família é uma instituição preciosa. A Igreja chama corretamente de “Instituição Divina”, muito mais do que algo conforme a conveniência e os desejos humanos.
Segundo o escritor sagrado, a relação interna entre pais e filhos é a melhor experiência que alguém pode fazer do amor, da misericórdia, caridade, compreensão, enfim, de tudo que é fundamental para a sua felicidade. A primeira experiência de Deus que alguém faz é através de seus pais com o dom da vida, expressão do dom maior da criação de Deus. O povo de Deus sabia e cultivava essa importância como fundamental e sacra: Deus Pai abençoa os filhos através de seus pais e vice-versa. Honrar os pais já é cumular tesouros para a vida, o filho tem uma bênção que se prolonga e prospera por toda vida. São riquezas que não se confundem com dinheiro, ouro ou qualquer coisa material que expressa valor, são tesouros que enriquecem a existência humana.
No Evangelho temos não um retrato de uma família isenta de dificuldades e problemas, mas quase a mesma realidade de tantas famílias. Nada foi fácil para todos, seja para entender, como também para cumprir a vontade divina. Deus Pai poderia isentar seu Filho Jesus (com seus pais) de toda amargura e sofrimento, mas se assim o fizesse, deixaria de ser Encarnação na realidade humana.
Os dramas de uma família podem acontecer com inúmeros desafios externos que o mundo se encarrega de apresentar. Mas, também há desafios e dificuldades internas, dentro de nossos lares que em muitos casos, fazem parte do processo normal de caminhada dos filhos e dos pais, como vemos no Evangelho deste domingo da Sagrada Família.
“Filho, por que você nos deixou ansiosos?” É a história de uma família que alterna dias serenos e tranquilos com dias dramáticos, como acontece em todas as famílias, principalmente com filhos adolescentes. Mas é preciso saber aproveitar bem as crises, através do diálogo sem ressentimentos e sem acusações. Filho, por quê? O interesse de Maria não visa a censura, não acusa, não julga, não se deprime porque o filho a fez sofrer, mas procura compreender e acolher uma diversidade difícil.
Mais do que repreender o filho, Maria quer entender, porque sempre há uma explicação, e talvez muito mais bonita e simples do que se temia. Um diálogo sem ressentimentos e sem acusações: diante dos pais, que estão ali e se amam – as duas coisas que importam para os filhos – está um menino que escuta e responde. O diálogo é uma coisa ótima, até cansativa: se as coisas são difíceis de dizer, não dizê-las torna-se ainda mais difícil.
“Vocês não sabiam que eu devo cuidar dos negócios de meu pai?” Os nossos filhos não são nossos, pertencem ao Senhor, ao mundo, à sua vocação, aos seus sonhos. Uma criança não pode e não deve estruturar a sua vida de acordo com os pais. É como parar a roda da criação.
“Mas eles não entenderam” e ainda assim nenhum drama ou chantagem emocional, nenhum encerramento do diálogo. Uma criança nem sempre é compreensível, mas sempre pode ser abraçada. “E eles desceram juntos para Nazaré”. Começam de novo, mesmo que nem tudo esteja claro; perseveram no eco de uma crise, meditando e guardando gestos, palavras e perguntas em seus corações até que um dia se desfaça o fio de ouro que iluminará e amarrará tudo.
Jesus saiu com eles, voltou para casa e foi submisso a eles. Há incompreensão, há uma dor que pesa no coração, mas Jesus volta com aqueles que não o compreendem. E Ele cresce dentro daquela família santa, mas não perfeita; santa e limitada. São santos, são profetas, mas não se entendem. E nós ficamos surpresos que às vezes não nos entendemos em nossas casas? Todos imperfeitos em diferentes aspectos, mas todos capazes de crescer. Jesus deixa os mestres da Lei e vai com José e Maria, mestres da vida: ao templo Deus, Jesus prefere o lar, lugar do primeiro e mais importante ensinamento, onde as crianças aprendem a arte de ser felizes: a arte de amar. Ali Deus se encarna, nos toca; faz isso no rosto, nos gestos, no olhar de todos que se amam. É Ele quem dá alegria a quem produz amor (Ermes Ronchi).
Aprendemos com a Palavra de Deus que o Matrimônio é tão sagrado quanto o sacerdócio. A família é o lugar onde se aprende o primeiro e o mais belo nome de Deus: que Deus é amor. Na família é que se ensina a arte de viver; a arte de doar e receber amor.
Se em uma família falta este amor profundo que é capaz de superar tudo e todos os obstáculos, se falta a convicção que realmente Deus é conosco… a família sempre viverá uma profunda ausência que nenhuma coisa material será capaz de preencher. Os casais podem ter muitas coisas deste mundo, mas nada será maior que Deus e o seu amor entre eles.
Não existe família perfeita, sem problemas, sem desafios, sem medos e receios diante dos obstáculos… Nem a família de Nazaré tinha tudo sob controle; nem estavam sempre seguros sobre o que tinham que fazer. Deus não aliviou os desafios (com um passe de mágica), mas procurou indicar sempre a melhor saída e estrada a ser percorrida.
Um dos males dentro de uma família é a sensação que eles estão vivendo sob o mesmo teto, mas não estão juntos; não vivem o mesmo sonho; o amor em gestos e palavras não existe mais… Em muitos casos, as famílias têm muitas coisas materiais, mas vazias de coisas espirituais. São pessoas estranhas que só trocam algumas coisas entre si: alimento, serviços, intimidade etc. Nunca deixe que as pessoas que você ama se sintam sozinhas em sua casa!
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